quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Amor e Razão ou Ele e Ela.

Não marcava nem meia-noite no relógio ainda e o cansaço e irritação já eram aparentes no rosto dela. Seu namorado passou a noite inteira com uma cara emburrada, agiu de forma estúpida e ela não sabia nem ao menos um motivo para aquelas atitudes. A conversa das pessoas já afetava sua paciência, a música no local não agradava e os pés estavam cansados do salto alto. Ele permanecia sentado na mesa ao lado, bebendo cerveja com os amigos e conversando - sempre mantendo o mau-humor, claro. Nas raras vezes que ele desviou o olhar para ela, não esforçou-se nem para esboçar um sorriso.
Ela levantou-se da cadeira e dirigiu-se até ele:"- Vamos embora, amor. Estou cansada.". A voz dela era calma, porém o tom imperativo fez-se entender perfeitamente. Ele olhou para ela, franzindo as sobrancelhas "- Já?", mas logo notou a insatisfação no olhar dela. As expressões do rosto dela naquele momento fizeram qualquer explicação ou resposta tornar-se desnecessária. Ele somente levantou-se da cadeira, despediu-se com um aceno dos amigos, bebeu o restante da cerveja que tinha no copo e caminhou em direção à porta.
Ela mal sentou no banco do carro e afivelou o cinto de segurança, e ele já desatou a falar. A voz dele saia trêmula. As mãos posicionadas no volante. Os olhos olhando para o painel. Ele tremia visivelmente e não desviava os olhos para ela. "-Sei que esse não é o melhor momento para falarmos disso e que também não é o melhor lugar, mas sinto que...", ele fez uma longa pausa, o que resultou no nervosismo dela "-Fala logo! Onde você está tentando chegar?". "-Eu acho que não te amo mais. Não é nada com você, é coisa minha. Sou eu.", ele completou de forma tão rápida, que ela só entendeu o "eu não te amo mais". A informação entrou de forma rápida e direta no cérebro dela, e o corpo dela ainda não tinha conseguido associar. Tão logo ela entendeu o que ele disse e as lágrimas brotaram em seus olhos, rolando pela face e borrando a maquiagem. Ela preferiu não fazer nenhum comentário, nem falar nada. Palavras se faziam desnecessárias. Ele sabia que deveria deixá-la em casa e não procurá-la mais.
Ele estacionou o carro em frente à casa dela. Ela desceu do carro e bateu a porta, com delicadeza - delicadeza a qual nunca lhe faltava. Ele ficou olhando ela subir as escadarias do edifício, mas em momento algum ela virou-se para olhá-lo. Aquela reação muda, calada, assustou-o. Ela não gritou, não questionou, não fez nenhuma pergunta habitual que uma mulher comum sempre faz: "Você está com outra?" ou "Você ama outra?". Jogou a cabeça para trás, encostando-a no banco do carro. Permaneceu ali, em frente ao edifício. O motor do carro ligado, o rádio ligado, o coração apertado. Lágrimas caíram. Aquela classe, aquele requinte que ela exalava por onde passava, permaneceram até quando ele a feriu.
Ela entrou no apartamento, largando a bolsa sobre o sofá e retirando os sapatos. Quando os pés tocaram, nus, o chão, ela esboçou um sorriso. A sensação de alívio apossou-se do seu corpo. Jogou-se no sofá. Ficou parada por alguns instantes sem mexer nenhum músculo. Aquilo a relaxava tanto. Sentiu o choro vindo. Ele vinha tímido, como se não quisesse se fazer real. Ela sentia-se covarde quando chorava. Ela não aceitava sofrer por amor. Não por que ela era fria, mas por que ela cria que o amor não trazia sofrimento e angústia. Se, naquele momento, ela sofria por ele, isso significava que já não era mais amor. Quem ama quer o outro feliz, independente com quem. Pelo menos foi isso que ela leu em diversos livros, e foi o que ela escutou em todas as idas ao terapeuta. Mas, pela primeira vez, ela sentia que amava alguém, e saber que havia o perdido, doía demais. As teorias não se faziam iguais na prática. Não desejava mal à ele, somente não desejava que ele parasse de amá-la.
Ele desligou o motor, fechou os vidros e desceu do carro. Caminhou até o porteiro eletrônico, no mínimo, umas quatro vezes, até conseguir apertar o número do apartamento dela. O barulho do interfone ressoou pelo apartamento, entrando no ouvido dela de forma ensurdecedora. Ela foi até o interfone e retirou o fone do gancho: "Sim?". O "sim" saiu embargado por lágrimas. O coração acelerou. No fundo, ela sabia quem batia à porta. As pernas dele tremeram. "-Sou eu, posso subir?". A pergunta era tímida. O dedo dela acionou o botão, confirmando que sim, ele podia subir.
O estômago dele estava embrulhado, e o trajeto dentro do elevador, parecia eterno. Quando as portas do elevador abriram-se, tudo o que ele viu foi ela, parada na porta do apartamento, descalça, maquiagem borrada e um leve sorriso no rosto. Abraçou-a com força. Tanta força que receou que estivesse a machucando. "-Pensei que você quem não me amasse mais, senti você tão distante de mim no casamento e ontem não quis me ver...", as palavras saiam embaralhadas e com pressa da boca dele, como se procurassem explicar o mais rápido possível. E era exatamente o que ele queria, deixar claro para ela que ele a amava. Nunca, nada entre os dois, doeu mais nele do que o silêncio dela, o sofrimento calado, a raiva contida. "-Eu não queria te ver mesmo, acho que temos direito de não querer certas coisas às vezes, mas isso não implica no fato de eu não amar mais você. Eu amo e como amo. Amo tanto que me sinto presa, mesmo estando livre.". A calma na voz dela, resplandecia uma maturidade tão grande que ele invejava. Ao mesmo tempo, ela olhava para aquele homem crescido - e bem crescido - e enchia-se de felicidade ao saber que ao lado dela, ele mais parecia um menino assustado, clamando por amor. Pelo amor dela. E seria sempre assim. Ele se assustaria com as atitudes dela. Ela sofreria calada diante dos surtos infantis dele. Ele abrigaria-se nos braços dela e ela manteria o equilíbrio, a serenidade, a maturidade da relação. E eles se amariam, por que no fundo, era o que sabiam fazer de melhor quando estavam na companhia um do outro.