sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Parte de mim.

O balanço da rede proporcionava-me uma angústia muito grande. Eu fumava um cigarro - um após o outro - e sentia prazer em tragá-lo profundamente. Entre uma tragada no cigarro e um gole de café, vinha-me na cabeça o que já vivemos. Nós dois fomos tanto, que sempre tinha gente à nossa volta para ver de perto o que alguém um dia chamou de amor. Aquele amor que inflava, crescia e fortalecia-se, como se tivesse sido adicionado fermento à nossa receita de "como viver bem". Hoje, aquele amor desmanchou, murchou, puiu como a roupa velha guardada no roupeiro e comida pelas traças. E, no fundo, a gente sabe bem, que faltou cultivo e cuidado. Fomos relapsos, deixando nosso sentimento no fundo da gaveta, cheirando a mofo, tomado por pó. Pensávamos que somente estando um ao lado do outro seria o suficiente. Engano nosso, não é? A casa está vazia agora. As luzes que teimávamos em deixar acesas, iluminando a casa toda, hoje até queimadas estão. A casa ilumina-se somente com as luzes da rua, que tornam o ambiente assustador, enchendo de sombras o que um dia chamamos de "lar doce lar". A casa está sem você. A noite e o dia, também.
Nem as brigas, que um dia pensei que seriam eternas, permaneceram no nosso cotidiano. Quando eu te enchi de razão, somente para não brigarmos mais, você me chamou de fraca. Perguntou-me até onde deixei - ou perdi - minha personalidade. Agora sei, que na realidade, o meu jeito tempestuoso, era o que fazia você se prender a mim. Nunca reparei que meu gênio forte te deixava com um sorriso orgulhoso no rosto. Ao final, percebi que eu perdi a essência de mim mesma. Perdi também a essência que existia em você. Perdemos nossos adubos. Perdemos nosso querer. Perdemo-nos.
Pegue o que tiver que pegar dentro da nossa casa. Pegue tudo mais o que quiser e parte de mim. Metade de mim quer te ver feliz, a outra te expulsa e morre. E só resta-me recordar as tantas brigas que me fizeram rir, enquanto seus olhos jorravam raiva com minha - quem sabe - imaturidade. Não era certo nem errado. Era o que devia ser. E nos dias e nas datas que nos acostumamos a comemorar, a gente não jurava mais nada, só bebia pra esquecer.
O que era lindo se foi. Não faz mais parte de mim. Nem de ti. Nem de nós. Agora, tudo o que já foi um dia, é normal e chato. Tédio. Então fica assim. Saia pela porta da frente, que eu saio pela porta dos fundos. O último apaga a luz. Na porta que não range mais, sentada na rede, ouvi o barulho mesmo assim. Não é você, não é ninguém. É o costume de sempre te esperar vir.